Jerónimo de Sousa, em Grândola, sobre a greve geral

Consciência, coragem e dignidade<br> para uma luta que continuará

O secretário-geral do PCP, ao intervir no comício da Festa da Fraternidade, em Grândola, no domingo, dedicou particular atenção à greve geral de 30 de Maio. Jerónimo de Sousa saudou a decisão da CGTP-IN de convocar a paralisação e valorizou a participação dos trabalhadores, que demonstraram elevada consciência e grande coragem e dignidade.

Lutou-se onde a luta é mais difícil e exigente: na empresa e no local de trabalho

Publicamos os principais excertos da intervenção de Jerónimo de Sousa, sobre a greve geral, matéria que é tratada com destaque nesta edição.

Elevar a luta

«Com o Governo PS, foi desencadeada a mais vasta e diversificada ofensiva contra os trabalhadores – os trabalhadores, que travaram grandes lutas. Em 2 de Março, realizou-se uma das maiores manifestações em Lisboa, envolvendo trabalhadores da Administração Pública e de empresas do sector público e privado.
Que fazer perante um Governo arrogante, que continua a ofender e a atacar a dignidade e os direitos dos trabalhadores? Baixar os braços, conformando-nos? Aceitar a restrição e liquidação de direitos, como inevitabilidades? Ou prosseguir e elevar a luta? E foi largo o apoio à ideia de que se deveria não só prosseguir, mas elevar a forma de luta.
Queremos saudar a CGTP-IN e os trabalhadores que convocaram e participaram na greve geral.
Saudamos a decisão corajosa da CGTP-IN porque, quando a convocou, tinha a consciência das dificuldades e condicionamentos, que resultam de uma relação de forças desfavorável aos trabalhadores, do poder da classe dominante – que conta com um Governo que se assume como seu instrumento político, que conta com poderosos meios de comunicação social, com um exército de seguidores e figurantes, sempre à mão nestas alturas para dividir. Sabia a CGTP dos efeitos das precariedades, das pressões, da repressão, sobre os salários, os prémios, as carreiras, sobre o próprio exercício livre do direito à greve no sector dos transportes e na Administração Pública e em muitas empresas do sector privado. Tratava-se de travar uma luta, lá, onde ela é mais difícil e exigente: na empresa e no local de trabalho.
Saudamos todos os trabalhadores que participaram na greve e, em particular, todos aqueles que, num acto de grande consciência e de grande coragem e dignidade, arrostaram e fizeram frente aos poderosos e mandantes, caminharam para além do medo e do conformismo, assumindo também a defesa da liberdade e do próprio direito à greve!»

Mistificações

«Mistificando e adulterando o apelo à greve geral, propositadamente confundida com greve total, como se isso tivesse acontecido em qualquer parte do Mundo, o Governo e os situacionistas manipularam números e percentagens de adesão à greve, logo no dia 30 de Maio –um balanço que, nesse momento, ninguém em rigor poderia fazer.
O Governo, destacando sete governantes para a operação, deu os números “aldrabados”, aliás, na linha de outros governos anteriores, confrontados com a greve geral. Era importante transformar a comunicação social em caixa de ressonância. Era importante que a posição de rigor da CGTP-IN, que não apresentou números globais, fosse explorada como facto para validar as contas falsificadas do Governo.
Parece que a coisa resultou. Ainda ontem, a Convenção do BE, na linha da UGT, veio validar a tese do Governo e responsabilizar a CGTP por um pretenso fracasso.»

A maior batalha
com governos PS


«Então, quantos fizeram greve? Não temos certezas rigorosas, mas há uma coisa que sabemos: foi a maior e mais forte luta com que o Governo PS foi confrontado, nestes mais de dois anos de mandato. Foi a luta maior com que qualquer governo do PS (e foram muitos, em mais de década e meia de governação) foi alguma vez confrontado.
Esta greve geral comprova que uma luta nunca é ponto de chegada. É uma ponte de passagem para outras lutas que não tardarão. Lutas que haverão de contar com muitos trabalhadores que participaram na greve geral e com muitos que estiveram com ela e não a puderam fazer. Luta que reclama o papel ímpar e insubstituível da central sindical dos trabalhadores portugueses – a CGTP-IN. Luta em que o PCP, no renovado compromisso com os trabalhadores, os seus anseios e direitos, não regateará nenhum esforço, no combate em defesa de uma vida melhor para quem trabalha.»

Modernices
e lições da História

«Exercitando a manipulação dos números, o Governo e os arautos do neoliberalismo, deram um passo adiante nos objectivos que trazem na cabeça.
Acham que a CGTP e os sindicatos deveriam deixar-se dessa coisa de defender conquistas e direitos de quem os tem. Que é do passado defender o direito ao trabalho e à segurança no emprego, ao horário de trabalho e à contratação colectiva, o direito a ter direitos, porque isso não é moderno e é do século passado. Que é errado lutar sem a certeza certa de se ganhar imediatamente.
Moderno seria regressar aos métodos e ao nível de direitos do século XIX. Moderno seria abdicar de todos os avanços e conquistas civilizacionais e laborais do século anterior. E, no nosso caso, “do século onde Abril se deu”, escondendo sempre aos olhos dos trabalhadores que, em última análise, essa conversa da modernidade é só para aumentarem o lucro e a exploração, e voltar para trás: hoje seria a precariedade geral, os horários desregulamentados, os salários baixos; amanhã, o despedimento sumário e sem justa causa, o direito a férias, ao subsídio de férias e de Natal, à saúde, à segurança social e à educação.
Nos ensinamentos da história, aprendemos que o capitalismo sempre fez frente à luta. O seu medo maior é a luta organizada dos trabalhadores, sindicalizados e organizados no seu sindicato. E, mais ainda, quando (tendo os partidos que quer, uns assim ou mais ao lado, mais “esquerdista” ou mais “direitista”) lhe é insuportável que os trabalhadores queiram ter, no plano político, o seu Partido – que comporte, no seu projecto e na sua luta, o sonho e objectivo de libertação da exploração, do trabalho com direitos, de uma democracia avançada num Portugal mais justo e de progresso.
É verdade, camaradas! Eles sabem que connosco não pegam os cânticos dos que nos querem conduzir para o pântano do conformismo (nem dos que já lá estão). Há muita luta a fazer, há muita batalha a travar. Duras como punhos, mas assumimos esse desafio com aquela determinação e confiança que nos caracteriza.»

Três casos exemplares

Jerónimo de Sousa apontou «três exemplos da manipulação mentirosa do Governo».
- «Na Administração Pública, pôs logo de fora das contas os cerca de 100 mil trabalhadores da Administração Local, que massivamente participaram na greve.»
- «Nos transportes, onde a greve teve mais expressão que em 2002, contabilizou algumas empresas de Lisboa e Porto (e, mesmo essas, mal, não referindo, por exemplo, que só no Norte não se realizaram 148 comboios); silenciou as elevadas adesões nos transportes rodoviários (no Barreiro, em Coimbra, em Viseu, em Braga e em diversas empresas privadas do Norte, entre outras) e no transporte aéreo (nos Açores, em Faro e também na Portela).»
- «No sector privado centenas de empresas pararam. Mas, mesmo nas empresas que não pararam – em sectores como o comércio, a restauração, as telecomunicações –, foram muitos os trabalhadores, (incluindo trabalhadores precários nas grandes superfícies e nos call-centers das telecomunicações) que fizeram greve pela primeira vez na vida. Que fonte de informação inspirou o Governo? Nenhuma! Transformou a ignorância em percentagem.»


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